No cenário tributário, a extinção de débitos em atraso gera discussões, especialmente quando o pagamento ou a compensação ocorre de forma parcial. Dois métodos principais para a amortização desses débitos geram polêmica: a imputação proporcional e a imputação linear.
Os
métodos:
a. Imputação Proporcional: o valor pago é dividido entre o valor principal da dívida, a multa e os juros, seguindo a proporção que cada um representa no total devido. Por exemplo, se você tem uma dívida de R$ 1.300 e paga R$ 800, esses R$ 800 são distribuídos entre o principal, a multa e os juros. Isso significa que, depois do pagamento, ainda restará um saldo em cada uma dessas partes da dívida.
b.
Imputação Linear: o valor
pago é usado primeiro para quitar o valor principal da dívida. Só depois que o
principal é pago que a multa e os juros são calculados apenas sobre o que
restou do principal. Os defensores desse método entendem que a vantagem é que a
multa e os juros são calculados sobre um valor menor, resultando em uma dívida
final menos onerosa.
Origem da Polêmica e Histórico Legislativo
A
raiz dessa divergência remonta a interpretações diversas do ordenamento
jurídico. A imputação proporcional encontra seu alicerce nos artigos 163
e 167 do Código Tributário Nacional (CTN). O artigo 167, em particular, que
trata da restituição de tributos, estipula que a devolução, seja ela total ou
parcial, deve incluir os juros de mora e as penalidades pecuniárias na mesma
proporção. Esta visão foi adotada pela Receita Federal, conforme a Nota Cosit
nº 106/2004.
Em
contrapartida, a imputação linear busca fundamentação no Parecer COSIT nº 02/1996 e na redação original dos artigos 43 e 44 da Lei nº 9.430/1996. O
Parecer COSIT nº 02/1996, ao abordar a prorrogação de tributos, sugeria a
exigência exclusiva de acréscimos (juros e multa) sobre as parcelas do imposto
e contribuição social já pagas. A versão original do artigo 44, §1º, inciso II
da Lei nº 9.430/1996 (válida até 2007) previa a cobrança isolada de multa de
ofício caso o tributo fosse pago fora do prazo e sem a multa de mora. O artigo
43, que ainda está em vigor, permite a exigência de crédito tributário composto
apenas por multa ou juros de mora, isoladamente ou em conjunto. A combinação
dessas disposições levou os defensores da imputação linear a concluir que, em
pagamentos de tributos em atraso sem multa, esta seria cobrada isoladamente com
base no artigo 44, e os juros de mora, com base no artigo 43.
A alteração do artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, a partir de 2007, não encerrou a discussão, que continuou a se pautar no artigo 43 e no Parecer Cosit nº 02/1996. No entanto, essa mudança levou à aprovação da Súmula CARF nº 31, que impediu a aplicação de multa isolada sobre tributos recolhidos de forma espontânea, mas fora do prazo.
A Posição do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)
A
questão da amortização de débitos em atraso é um tema recorrente nas decisões
do CARF. Em 2007, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) decidiu,
por unanimidade, que, após a Lei nº 9.430/1996, os acréscimos deveriam ser
lançados separadamente, afastando a aplicação da imputação proporcional para
pagamentos de tributos atrasados.
Entretanto,
em 2011, o Acórdão nº 9303.001.659, por voto de qualidade, reconheceu que a
autoridade fiscal tinha a prerrogativa de lançar multas e juros de mora de
forma isolada ou, alternativamente, aplicar a imputação proporcional.
Já no caso da compensação, a jurisprudência do CARF tem progressivamente validado a imputação proporcional. Os argumentos para essa posição incluem: i) proibição de o contribuinte priorizar o pagamento de certas parcelas de um débito (Parecer PGFN/CDA Nº 1936/2005 e Nota Cosit nº 6); ii) a falta de lógica em quitar o principal e os juros para manter apenas a multa (que incide sobre principal); iii) a não aplicação do artigo 354 do Código Civil (regra de imputação de pagamentos) às compensações tributárias, conforme a Súmula STJ 464.
Conclusão
Ainda
que o tema pareça técnico, sua repercussão prática é ampla. A escolha entre
imputação proporcional ou linear não é meramente contábil — ela define o
que ainda se considera “em aberto” após um pagamento parcial e pode dar origem
a novas exigências fiscais.
Para
os contribuintes, é essencial compreender que, mesmo nos casos de boa-fé e
pagamento voluntário, a imputação proporcional tende a ser a regra aplicada
pela administração, salvo decisão judicial em sentido diverso.