A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou
juridicamente possível o pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva
entre avós e netos maiores de idade, nos casos em que a relação entre eles
supera a mera afetividade avoenga. Para o colegiado, a declaração de filiação
nessas hipóteses – com efeitos diretos no registro civil do filho socioafetivo –
não encontra qualquer impedimento legal.
O entendimento foi estabelecido no âmbito de ação ajuizada por neto para ser
reconhecido como filho socioafetivo de seus avós maternos, mantendo-se em
seu registro civil, contudo, o nome da mãe biológica, com quem ele também
convivia.
Em primeiro grau, o processo foi extinto sem resolução
do mérito – sentença mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Para o tribunal, seria aplicável ao caso a previsão do artigo 42, parágrafo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que proíbe a adoção de netos
pelos avós.
Institutos da adoção e da filiação socioafetiva são diferentes
A ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, apontou que o artigo 42, inciso 1º,
do ECA se aplica ao instituto da adoção, não ao da filiação socioafetiva,
especialmente no caso de reconhecimento de filiação de maior de 18 anos.
Segundo a ministra, a socioafetividade não pode ser confundida com a adoção,
tendo em vista que, na relação socioafetiva, não há destituição do poder
familiar de vínculo biológico anterior, como ocorre na adoção de menor de
idade.
"Trata-se, em verdade, do reconhecimento de uma situação fática já
vivenciada, que demanda o pronunciamento do Poder Judiciário acerca da
existência de um vínculo já consolidado", completou.
Filiação socioafetiva pode ser reconhecida mesmo com pais biológicos
no registro
Nancy Andrighi enfatizou que o reconhecimento da filiação socioafetiva é
admitido mesmo que o filho tenha a paternidade ou a maternidade
regularmente registrada no assento de nascimento, tendo em vista a
possibilidade da multiparentalidade, conforme estabelecido pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) no Tema 622 da repercussão geral.
A relatora também apontou que o artigo 505, parágrafo 3º, do Provimento 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem aplicação nas hipóteses
de reconhecimento voluntário de filiação socioafetiva perante os oficiais de
registro civil de pessoas naturais.
Sobre o interesse processual do pedido de reconhecimento de filiação
socioafetiva avoenga, a ministra apontou que deve ser verificado segundo a
teoria da asserção, ou seja, a partir das afirmações do autor na petição inicial.
Assim, basta que o pedido inicial apresente informações suficientes sobre a
possível existência de laços de socioafetividade entre as pessoas cujo vínculo
parental se busca reconhecer para autorizar o regular processamento da ação.
A filiação socioafetiva, que encontra alicerce no artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal, envolve não apenas a adoção, mas também parentescos
de outra origem, conforme introduzido pelo artigo 1.593 do Código Civil de 2002, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem
natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de
ordem cultural", enfatizou.
Com o provimento do recurso especial, a ministra determinou o retorno do
processo à origem para que ele tramite regularmente, a fim de que seja
retomada a necessária instrução probatória, com a citação da mãe biológica e
a produção de provas sobre a relação de socioafetividade por todos os
litigantes.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
(https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/211120 24-E-possivel-reconhecer-filiacao-socioafetiva-entre-avos-e-netos-maiores-deidade--decide-Terceira-Turma.aspx)