Representantes de vários setores da infraestrutura nacional sugeriram à
Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) nesta quinta-feira (21) medidas
para que a nova legislação tributária atenda melhor às necessidades e
especificidades de suas atividades. Eles também apontaram riscos que a
ausência de tratamentos tributários diferenciados podem causar em suas
áreas, como o encarecimento das faturas domésticas.
A audiência pública foi a décima de uma série de 11 que a CCJ promove para
analisar o impacto da regulamentação da reforma tributária (PLP 68/2024). O
relator do projeto é o senador Eduardo Braga (MDB-AM). A audiência contou
com representantes dos setores de saneamento básico, energia, portos,
ferrovias, telecomunicações e informática.
O PLP 68/2024, já aprovado na Câmara dos Deputados, prevê que sejam
aplicadas a esses ramos as regras gerais sobre Contribuição Sobre Bens e
Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — os novos tributos que
substituirão os atuais ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins. Assim, a maior parte dos
setores estarão sujeitos à alíquota-padrão aplicada a todos os produtos e
serviços consumidos no país, sem tratamento favorável.
A reunião da CCJ foi presidida pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO), que é
presidente da Comissão de Infraestrutura (CI).
Saneamento
Um dos riscos da proposta é o aumento da conta de água, segundo a
Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de
Água e Esgoto (Abcon). O alerta veio de Christianne Dias Ferreira, diretora
executiva da entidade.
— Significa dizer aumento de tarifa de 18%, ou redução de 26% nos
investimentos. O investimento que tem que ser feito é realmente muito grande
e nós estamos falando aqui, em outras palavras, simplesmente do aumento da
conta de água para todo cidadão brasileiro. Mesmo com cashback [mecanismo
que devolverá parte do imposto às famílias mais pobres] a gente tem aumento
da tarifa — disse.
A constatação do impacto final dos novos tributos ainda depende da
estipulação da alíquota-padrão por uma lei posterior — estimada pelo governo
em cerca de 28%. Depende também da implantação do sistema de créditos
que permitirá às empresas da cadeia produtiva retomarem valores de tributos
pagos sobre o consumo, o que hoje ocorre com muitas restrições. Além disso,
há efeitos ainda desconhecidos da reorganização da economia que será
promovida pela reforma tributária.
Segundo Ferreira, a alternativa ao aumento da tarifa seria reduzir o volume de
obras de saneamento básico. Porém, isso o que pode colocar em risco a meta
de disponibilizar água e esgoto para todo cidadão brasileiro até 2033, que é
uma exigência do Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026, de 2020).
Como solução, a diretora executiva da Abcon sugeriu na audiência que o
saneamento básico seja considerado um serviço de saúde, o que reduziria em
60% a alíquota paga na água e nos serviços de esgoto. A mesma proposta
havia sido feita pelo grupo de trabalho da Comissão de Assuntos Econômicos
(CAE) que analisou o PLP 68/2024, coordenado pelo senador Izalci Lucas (PL
DF). Apenas a CCJ votará o texto, antes de ele ir a Plenário.
Energia elétrica
Rubens Rizek Júnior, presidente da Associação Nacional de Pesquisa da
Economia Energética (Anpeen), avaliou que a regulamentação da reforma
tributária desconsidera a complexidade do ciclo da energia elétrica, desde a
sua geração até chegar às casas. Na opinião dele, o modelo atual de tributar
apenas o consumidor final deve ser explicitado no texto para garantir a
simplificação na cobranças.
Pelo projeto, o Estado cobrará CBS e IBS sobre todo o processo: geração,
transmissão, distribuição, comercialização e fornecimento da energia elétrica.
Por outro lado, as operações desta cadeia darão às empresas créditos com a
administração pública no valor dos tributos pagos, para que apenas o
contribuinte final arque com os impostos.
Para Rizek Júnior, o mesmo resultado poderia ser alcançado de uma forma
mais simples com o chamado “diferimento tributário”.
— A energia que está iluminando o Senado Federal passou por mais ou menos
seis operações de compra e venda. [O sistema de créditos] gera um entulho de
operações a serem contabilizadas, calculadas, auditadas. Não vai ter banco de
dados que suporte, porque nós temos o Brasil consumindo muita energia.
O presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Luiz
Menel, ainda solicitou que, ao se calcular o valor devido de CBS e do IBS, seja
retirado da conta outro tributo já pago pelo setor: a Contribuição para o Custeio
do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Menel também advertiu sobre o risco
de transferência de custos para a conta de luz.
— Nós temos hoje, na composição do custo do pãozinho nosso de cada dia,
30% de energia elétrica. Um aumento de custo na energia elétrica
imediatamente aumenta o preço do pão, porque ele vai ser repassado. Outro
exemplo: uma chapa de aço. Um custo adicional de energia elétrica na chapa
de aço vai diretamente para o preço, por exemplo, do carro popular.
O diferimento tributário e o desconto da Cosip são alterações que também têm
o apoio do grupo de trabalho da CAE.
Gás
Para Renata Isfer, presidente executiva da Associação Brasileira de Biogás
(Abiogás), o PLP 68/2024 não atende completamente à previsão constitucional
de que os biocombustíveis (energia retirada de lixo orgânico, como o biogás)
tenham tributação menor que os combustíveis de origem fóssil (como petróleo
e gás natural). Ela pede o fim da exigência de que esses combustíveis sejam
“consumidos na sua forma pura”.
— Misturar metade de biometano [derivado de biogás] ao gás natural já reduz
em 50% as emissões de gases de efeito estufa. Não tem porque limitar aos
consumidos em sua forma pura se o Brasil tem a oportunidade de fazer uma
descarbonização suave. Não é todo mundo que pode pagar pelo preço da
descarbonização completa de um dia para o outro.
Outra especificidade que pode prejudicar a indústria do gás se não houver uma
regra especial é a cobrança do tributo de acordo com o tipo de transporte do
combustível. A opinião é de Marina Cyrino, representante da Associação de
Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto (ATGás). Ela é gerente
de Assuntos Jurídicos e Regulatórios da entidade.
Segundo ela, o projeto trata o transporte de gás como se fosse feito somente
por caminhão, quando hoje há um método mais vantajoso em que dutos levam
gás continuamente de um ponto a outro. Cyrino apontou que é preciso ajustar o
projeto para que as vantagens do modelo sejam potencializadas e haja mais
simplificação.
— O que estamos pedindo é: vamos adequar a legislação tributária à Lei do
Gás [Lei 14.134, de 2021]. É um pedido simples, reduz muito os custos de
transação, pois reduz a quantidade de documentos fiscais que são elaborados
tanto pelos carregadores quanto pelos transportadores, sem reduzir a
arrecadação tributária. Vai facilitar o funcionamento dessas obrigações
acessórias.
Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP),
criticou a cobrança do Imposto Seletivo (IS) sobre a indústria. Segundo ele, a
tributação aumentará o preço dos produtos que utilizam esses insumos. O IS
foi criado para desincentivar a produção e o consumo de itens prejudiciais à
saúde e ao meio ambiente.
Cashback na Internet
Para a área da infraestrutura de internet, o destaque da audiência foi o formato
do cashback. Marco Ferrari, presidente executivo da organização Conexis
Brasil Digital, afirmou que devolver às famílias mais carentes uma parte maior
dos tributos pagos por elas no consumo de internet ajudará a aumentar a
inclusão digital nas regiões Norte e Nordeste, que são menos digitalizadas do
que o resto do país.
— O faotr que leva à baixa conectividade [nessas regiões] é o fator renda.
Quando olhamos o quanto pesa o custo da internet no rendimento mensal da
família, observamos que a população [que recebe] abaixo de um salário
mínimo gasta proporcionalmente mais com a internet do que as demais faixas
de renda.
Para abordar esse problema, ele pede que os serviços de comunicações
permitam cashback de 100% da CBS e de 20% de IBS para famílias com renda
de até meio salário mínimo por membro — o que corresponde a R$ 706 por
integrante, nos valores de hoje. Segundo o texto atual do PLP 68/2024, apenas
o fornecimento de energia elétrica, água, esgoto e gás natural possuem essa
prerrogativa, enquanto o consumo de internet entraria na regra geral de até
20% de devolução de CBS e IBS para quaisquer gastos.
Fonte: Agência Senado
(https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/11/21/setores-dainfraestrutura-preveem-contas-mais-caras-com-reforma-tributaria)